sexta-feira, abril 06, 2012

Jean Wyllys discute homofobia


Cristiana Serra



Muitas mulheres, nos fins de semana, têm seus cabelos alisados, são maquiadas e penteadas por homossexuais; outras tantas recorrem ao ombro de um amigo gay para chorarem suas dores de amor; mas grande parte delas tem horror a ideia de vir a ter um filho homossexual.
Foi a partir de exemplos como esse que o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) discutiu a questão da homofobia em palestra realizada no Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), no ano passado. 
"É importante lembrar que muita gente quer acreditar ou dizer para si, para se enganar, que a homofobia só existe, só é praticada, quando alguém é espancado ou assassinado. Essa é a homofobia letal, na sua expressão mais aguda. No entanto, a homofobia pode ser social e cultural,  e, dessa forma, é praticada pela maioria das pessoas", ressaltou Jean. 
O evento foi uma espécie de aula inaugural para os cursos de Comunicação (Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Produção Audiovisual), que ao longo de todo o semestre, como atividade interdisciplinar, produzirão trabalhos sobre essa temática: reportagens, peças publicitárias de conscientização, curtas-metragens. Esses trabalhos serão publicados no Paralela Virtual numa seção especial.
"Falar de homofobia é falar de preconceito, e o preconceito é ou ausência de conhecimento ou um senso comum que se cristalizou e apagou a sua formação no rastro da história, ganhando um status de verdade. Ele pode até vigorar nas relações sociais, mas não, num espaço de produção e reprodução do saber como a universidade nem na política", disse o deputado.
Segundo ele, o ensino fundamental, médio e superior tem falido na sua função de levar conhecimento, de formar cidadãos com valores humanistas, que levem à desconstrução do senso comum no qual o preconceito está ancorado. E essa falência acaba se reproduzindo no comportamento profissional no mercado de trabalho.
"Existem médicos que se recusam a atender travestis. Uma amiga levou o filho ao pediatra, e ele lhe disse que não usasse supositório no menino, porque isso poderia induzi-lo à homossexualidade. Isso aconteceu, não é invenção minha. Um juiz de Direito, apesar de um curso inteiro feito na universidade e de um concurso público, só porque também é pastor evangélico, anula todos os contratos de união estável de um estado, pois considera, a partir de argumentos bíblicos, dos mitos de fundação da religião dele, que a homossexualidade é um desvio, um pecado", exemplificou Jean.
Ele também chamou a atenção para o que caracteriza como uma convivência típica da pós-modernidade: o uso das tecnologias de comunicação e todas as conquistas tecnológicas, ao lado de uma “mentalidade obscurantista e fundamentalista que remonta à Idade Média”.
Jean, durante toda a palestra, enfatizou que o melhor caminho para o enfrentamento do preconceito é admiti-lo. “O primeiro passo é reconhecer a aversão que está em nós e que a gente tenta mal disfarçar. Todo mundo quer posar de politicamente correto, e não ser chamado de homofóbico, mas continuar praticando a homofobia”, afirmou.
Nesse sentido, ele qualificou como didática a forma como a novela Insensato Coração, da Rede Globo, que terminou há pouco tempo, mostrou a transformação de um homem que, apesar de ser jornalista, de combater a corrupção e ser a favor da moralidade pública, era homofóbico. “Para mudar, ele precisou admitir para si que era homofóbico e que necessitava desconstruir aquilo que estava arraigado nele e de que ele não tinha consciência”, comentou.
Jean Wyllys, além de fazer um longo passeio pela história para explicar a origem da homofobia, em sua exposição e no debate com os alunos da Unijorge, tratou das seguintes questões:

Como a homofobia se expressa por meio da linguagem
"Um dos questionamentos que os homofóbicos fazem em relação aos gays é dizer: ´por que você se incomoda que eu lhe chame de viado, se seu colega lhe chama de viado, e você não se importa?", disse Jean.
Ele explicou a diferença entre as duas situações, destacando o caráter performativo da língua, que se dá pela entonação, pelo sentimento que move a frase. "Chamar o colega de viado é homofobia sim, porque, com essa conotação, é uma ofensa que tem o intuito de desprezar, de tirar a humanidade. Quando um gay chama outro de viado, não tem nenhuma intenção de diminuir, pelo contrário, tem o sentido político de mudar o significado da palavra, dando um sentido positivo para ela", argumentou.
Jean apresentou um outro exemplo para esclarecer seu argumento: "Quando uma mulher está no jogo sexual com o parceiro na cama, e, naquele contrato sexual entre pessoas adultas saudáveis e conscientes, ele a chama de vagabunda, não há nenhum intuito de ofendê-la. Mas se ela passar na rua com uma blusa decotada, que ela escolheu e tem todo o direito de escolher, e um cara a chama de vagabunda, para diminui-la como mulher, aí sim existe uma ofensa sexista".
Ameaça ao Estado laico
A Constituição de 88 estabelece o príncipio do Estado laico, garantindo a pluralidade religiosa e a cada pessoa o direito de professar a sua fé. No entanto, Jean considera que o fortalecimento político dos grupos religiosos no Congresso Nacional constitui uma ameaça a esse princípio. 
"Um dispositivo constitucional garantido por essa mesma Constituinte cidadã isenta as igrejas e templos de pagarem impostos. Entretanto, essas instituições religiosas que não são tributadas fazem uma arrecadação e não prestam contas disso. Essas igrejas são na verdade empresas e se tornaram uma força política muito grande, porque têm muito dinheiro para investir em campanhas milionárias e eleger pessoas que representam seus interesses. O fato de o legislativo não estender a cidadania aos homossexuais vem da militância desses grupos fundamentalistas que vigoram no Congresso Nacional", afirmou o deputado.
Necessidade de educação política
Jean comentou que muita gente criticou a eleição do Deputado Tiririca, porque a campanha dele teve como mote: "Você sabe o que faz um deputado? Vote em mim que eu te conto". De acordo Jean Wyllys, se essa pergunta for dirigida a alunos do ensino superior, a grande maioria deles não saberá respondê-la.  
"Há alunos do ensino superior que adoram sentar em mesa de bar e na praça de alimentação do shopping para professar sua arrogância em relação ao que eles imaginam da política, mas, se você perguntar o que eles entendem da tripartição dos poderes que sustenta a República, eles  vão reproduzir os estereótipos e preconceitos típicos do senso comum em relação à política. Tem gente que nem sabe que existe representação dos três poderes em diferentes instâncias: municipal, estadual e federal", disse.
Segundo ele, isso decorre da falta de uma educação política. "Eu já encontrei pessoas que viram para mim e dizem assim: 'ficar defendendo os direitos de minorias, de homossexuais, não deveria ser sua função como deputado, por que você não faz uma campanha de combate à fome?'; como se fosse da função de um deputado fazer campanhas de combate à fome ou mesmo políticas públicas de combate à fome. Tem gente que confunde o papel do prefeito com o do deputado estadual, e essa confusão não é à toa, porque o próprio deputado cumpre a função do prefeito ao usar as emendas parlamentares para fazer obras assistencialistas no bairro ou na cidade dele", afirmou Jean.
Ele também falou que "grupos organizados fundamentalistas", assim como setores da grande mídia, tentam confinar seu mandato na questão LGBT, apesar de sua atuação legislativa ser muito mais na área de educação. 
A criminalização da homofobia  
Jean Wyllys disse que está numa batalha junto com a senadora Marta Suplicy para a aprovação do projeto de Lei que amplia a Lei do Racismo, incluindo, entre as discriminações previstas, a discriminação contra pessoas com deficiências, idosos e homossexuais, e criminaliza a homofobia, o PLC 122. E rebateu o argumento dos que defendem que o projeto atenta contra a liberdade de expressão. 
"Quem fala isso esquece que todo direito vem acompanhado de um dever. Quem quer o direito à vida tem o dever de preservar a vida, por isso o homicídio é punido, quem mata vai preso. O direito à liberdade de expressão implica o dever com a dignidade da pessoa humana do outro. Eu sou livre para dizer o que quero, mas se eu ofender a dignidade humana, eu tenho que pagar e ser responsável por essa ofensa", argumentou Jean.
O PLC 122, na legislatura passada, foi aprovado na Câmara, seguiu para o Senado e foi arquivado. Nessa legislatura, a senadora Marta Suplicy (PT) é a relatora do projeto, que foi desarquivado e se encontra na Comissão de Direitos Humanos do Senado. 
"Esse projeto novo não só amplia a Lei do Racismo como faz alterações no Código Penal,  no sentido de considerar como crime hediondo, um crime de ódio, que abate não só aquela vítima que morreu, mas toda a comunidade da qual ela faz parte. Quando um algoz mata uma pessoa por homofobia, ele em geral não se contenta em dar um tiro ou uma facada, algo que mate a pessoa, ele submete a vítima a um sofrimento, porque ele quer incidir sobre toda a comunidade", explicou o deputado.
Quando um aluno lhe perguntou se ele acreditava que, com a aprovação do PLC 122, os homossexuais teriam mais segurança e liberdade para expressar publicamente seu afeto pelo parceiro em qualquer lugar e horário, Jean respondeu citando um poema de Drummond que diz: "os lírios não nascem das leis". 
"A aprovação da lei por si só não vai mudar, da noite para o dia, uma cultura arraigada, construída por milênios, mas ela também tem um caráter pedagógico e a médio e longo prazo pode trazer mudanças. Os homossexuais não trocam carinhos públicos como os heterossexuais, no shopping center, nos ônibus e nas praças, não porque não queiram; eles são impelidos a silenciarem, porque são agredidos verbalmente, intimidados pelo olhar e agredidos fisicamente. Então, por isso, construíram para si os espaços de orgulho, quando todo o resto é vergonha, que são as boates, os bares exclusivos para gays, o que muitos, de maneira apressada, tendem a julgar como guetho. Mas haverá o dia em que o guetho será implodido graças à atuação política efetiva do movimento LGBT", disse Jean. 
O deputado também fez questão de lembrar que a Lei Áurea, quando sancionada, não aboliu o racismo nem serviu para incluir os negros no mercado de trabalho, mas foi o pontapé inicial para a construção de uma cidadania do povo afrodescendente, que, segundo ele, ainda está sendo elaborada. 
Por que a expressão opção sexual é inadequada
"São muitas pessoas que perguntam e algumas até afirmam que a homossexualidade é uma opção, uma escolha, e eu não me lembro de ter escolhido ser homossexual", disse Ramon, um estudante de Publicidade, questionando o que Jean achava do uso da expressão "opção sexual". 
Jean falou que, por mais que o movimento LGBT explique que se trata de orientação sexual, ainda assim muita gente usa de maneira acrítica a expressão "opção sexual", até mesmo a grande mídia.  Segundo ele, o termo é inadequado, inclusive porque dá margem para terapias de cura, à ideia de que se pode deixar de ser homossexual. 
"Se fosse uma mera questão de opção, a gente não escolheria viver uma vida de injúria e de violência, em que as chances de sucesso reduzem drasticamente. É um desafio que temos pela frente explicar para as pessoas que a homossexualidade é uma identidade sexual forjada numa relação íntima entre natureza e cultura. Não é verdade que o ser humano nasce e é naturalmente heterossexual, e quando ele é homossexual é por um desvio", afirmou o deputado. 
A distinção entre orientação sexual, identidade de gênero e sexo biológico 
A partir do questionamento feito pelo estudante, Jean aproveitou para explicar a distinção entre orientação sexual, identidade de gênero e sexo biológico. 
"Existe o sexo biológico, o órgão reprodutivo que a natureza nos dá. Nesse sentido, sou do sexo masculino. Eu desenvolvi uma identidade de gênero masculina, que tem a ver com quem eu sou, a maneira como me percebo, me coloco no mundo. Eu me penso como homem. Mas pode acontecer de uma pessoa vir com o sexo masculino ou com o sexo feminino e se perceber como do sexo oposto. Pode ser que a pessoa venha com o sexo masculino, e ela desenvolva e estruture uma identidade de gênero feminina, que é o caso das travestis e transsexuais", disse Jean. 
Ele chamou a atenção para o sofrimento psíquico que é experimentado, quando  a identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico. 
"O argumento para se negar o direito das pessoas de ajustarem a sua identidade de gênero ao seu sexo, de modo a erradicar esse sofrimento, é quase sempre o argumento da natureza, ou seja, o de que não se pode subverter aquilo que a natureza lhes deu. Entretanto, as mulheres recorrem ao silicone, à chapinha no cabelo, à tintura, os homens recorrem à academia de ginástica para malhar, todos para ajustar o seu corpo àquilo que imaginam para eles mesmos. Porque uma pessoa que é gorda e quer ser magra sofre por isso. Uma mulher que tem os seios pequenos e quer ter seios maiores sofre também. E se tem o direito a intervir em seu corpo para ajustá-lo ao que imaginou para ela mesma, por que nega esse direito às travestis e transsexuais?", questionou Jean. 
Já a orientação sexual, segundo ele, não tem a ver com a pergunta "quem eu sou?" tem a ver com a pergunta "de quem eu gosto?", isto é, para quem o afeto e a libido são dirigidos. 
"Sou do sexo masculino, tenho uma identidade masculina, mas gosto de homens que tenham identidade masculina e sexo masculino, por isso sou homossexual, essa é a minha orientação. Nesse sentido, quando uma transsexual faz a cirurgia de transgenitalização, quando ela ajusta o sexo que a natureza lhe deu à identidade de gênero, não tem sentido chamá-la de  homossexual, mas sim de heterossexual, porque ela passa a ser uma mulher com identidade feminina e que gosta de uma pessoa do sexo oposto ao dela", explicou.
O Projeto Escolas Sem Homofobia  
Jean Wyllys também falou sobre o Projeto Escolas Sem Homofobia, elaborado na legislatura passada pelo Ministério da Educação, a partir de uma pesquisa, realizada em parceiria com instituições da sociedade civil que estudam sexualidade e educação, para diagnosticar o bullying homofóbico nas escolas. 
Essa pesquisa apontou que a homofobia era reproduzida na escola, não só pelos alunos, como também por professores e diretores, e que estava entre as principais causas da evasão escolar, da depressão infanto-juvenil e do suicídio. Pensou-se então num material para enfrentar esse problema, que seria destinado às escolas onde houvesse casos de homofobia e que o pleiteassem. 
O material é composto de vídeos curtos, de boletins e de cartilhas, que deveriam servir como ponto de partida para a discussão sobre sexualidade, diversidade sexual e homofobia nas escolas. 
Jean contou que ainda não era deputado federal, quando foi convidado pela então senadora Fátima Cleide para fazer uma  comunicação, tanto na Câmara quanto no Senado, a partir da avaliação do material.
"Eu estive nessa audiência pública, o material foi explicado e apresentado para a sociedade como ele é. Nessa atual legislatura, os deputados conservadores, sobretudo os da bancada evangélica, pegaram parte do material que era do programa de redução de danos entre travestis usuários de drogas injetáveis e apresentaram, não só à mídia, como a outros deputados, como se fosse o material do Projeto Escolas Sem Homofobia, usando o termo Kit Gay para se referir a ele. A partir dessa contrainformação, dessa mentira deslavada, criou-se uma histeria coletiva contra o projeto", disse o deputado. 
Jean fez questão de esclarecer que não é autor do material nem do projeto, mesmo porque não é da sua competência elaborar política pública de educação, e falou que lamentou bastante a decisão da presidenta Dilma Roussef de suspendê-lo.  
"Como legislador e fiscal do Executivo, me coloquei publicamente a favor do material e fui duramente contra a presidenta, quando ela cedeu à chantagem dos deputados conservadores, que ameaçaram convocar o ministro Palocci, então envolvido com denúncias de enriquecimento ilícito, se ela não suspendesse o Projeto Escolas Sem Homofobia", afirmou.
Por que é contra o Dia do Orgulho Hetero
Quando questionado sobre qual o seu posicionamento em relação à criação do Dia do Orgulho Hetero, Jean disse que seria algo tão sem sentido quanto criar o Dia da Consciência Branca.  
"Os negros, depois da Lei Áurea, foram banidos do mercado de trabalho, expulsos dos centros urbanos e forçados a ocupar as periferias, reproduzindo a pobreza. Essas pessoas estão posicionadas historica e socialmente em desvantagem em relação aos brancos. Portanto, não basta proclamar a igualdade formal, é preciso equidade de direitos, políticas públicas que tratem os desiguais de maneira desigual. É nesse sentido que existe o Dia da Consciência Negra, porque a negritude foi historicamente desvalorizada", explicou.
Segundo Jean, uma vez que os gays são historicamente tratados como "desviantes, como abominações, como pecadores, como criminosos", é complicado assumir a homossexualidade. "Daí a necessidade de existir um dia para promover a valorização do orgulho de ser gay, quando todos os dispositivos conceituais tratam o homossexual como uma pessoa menor. Por isso, quando Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou o projeto de lei que instituía o Dia do Orgulho Heterossexual, eu imediatamente emiti uma carta para o prefeito Gilberto Kassab, argumentando nesse sentido", disse o deputado.


Fonte: http://www.paralelavirtual.com.br/materia.php?idAtual=414

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